Retrofit: uma oportunidade de futuro sobre o legado do passado
“Se chegaram até hoje são atuais”. A célebre frase do arquiteto catalão Enric Miralles é um convite para uma mudança de paradigma frente à obsolescência imobiliária, tão comum nos grandes centros urbanos. Edificações históricas refletem costumes, técnicas construtivas e contextos sociais e econômicos do passado e, por se constituírem da convergência destes fatores, são qualificados como bens patrimoniais de significância cultural. Embora reconhecidos por seus valores materiais e intangíveis, a dinâmica imobiliária, em consonância com as novas formas de ocupar - morar, trabalhar etc. - pretere este tipo de edifício em prol de novas construções, consideradas mais modernas e condizentes com as demandas atuais.
A falta de interesse do mercado imobiliário nas regiões dotadas de forte componente histórico tem gerado áreas deprimidas e ociosas, colocando sob o risco de perda imóveis importantes para a manutenção da memória e identidade da cidade e seus cidadãos.
Nesse sentido, o retrofit é uma estratégia que pode e deve ser lançada a fim reativar economicamente os ativos patrimoniais de superlativa obsolescência, reintegrando-os às atividades urbanas e às novas condições de uso.
É também uma oportunidade de viabilizar práticas alinhadas com a agenda dos Objetivos do Desenvolvimento sustentável (ODS), firmados na Assembleia Geral das Nações Unidas, em especial o de número 11, que propõe “tornar as cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”.
Nos últimos anos, grandes metrópoles brasileiras passaram a promover programas de requalificação urbana, com maior ênfase na reabilitação de seus centros, áreas que se caracterizam por infraestruturas antigas. Nessa perspectiva, destacam-se o Rio de Janeiro – RJ com o Plano Reviver Centro, São Paulo-SP com proposições no âmbito da revisão do Plano Diretor, São Luís - MA com o Programa Adote um Casarão, e o Recife-PE, com o Programa Recentro, instituído pela Lei nº 18.869 de 2021.
Coordenado pelo Gabinete do Centro, criado pela gestão do Prefeito João Campos, na ocasião da implementação do Programa, o Recentro consubstanciou os incentivos ficais para atração de novos usos habitacionais e comerciais, aproveitando as construções existentes, situadas nas zonas preservadas dos bairros do Recife, Santo Antônio e São José, territórios fundacionais da cidade (Figura 1).
Também vem sendo realizada uma série de ações de zeladoria urbana, objetivando qualificar os espaços públicos, e eventos culturais para a promoção da vitalidade nessas áreas.
Figura 1: vista dos Bairros de Santo Antônio e São José no Centro do Recife
Foto: Grinaldo Gadelha/Investe Recife, 2021
Dentre os benefícios fiscais ofertados pelo programa de reabilitação do centro, constam a redução do Imposto Sobre Serviço (ISS) de 5% para 2% para construções ou intervenções destinadas à recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis situados nos perímetros abrangidos pela legislação, e isenções total ou parcial do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e do Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), sendo, portanto, um mecanismo de grande estímulo para a prática do retrofit no centro do Recife (Figura 2).
Figura 2: Áreas do centro abrangidas pelo Programa Recentro
Fonte: Lei nº 18.869 de 2021. Mapa elaborado por Geysa Vilela, 2021
Em decorrência dessas iniciativas, já é possível identificar alguns exemplares prediais em obras de recuperação através de técnicas de retrofit na cidade, a exemplo do Moinho Recife, empreendimento onde está se executando a reconversão patrimonial de uma antiga fábrica desativada para abrigar um complexo de atividades multiuso (Figura 3).
A expectativa da gestão municipal é que o centro recifense tão logo recupere seu protagonismo e a pujança imobiliária de tempos atrás, devolvendo à população uma área requalificada, assegurando a preservação de seu parque patrimonial de valor inestimável.
É nessa direção que o Investe Recife, área de atração de investimentos da Prefeitura da cidade, vem buscando, avidamente, aportar novos empreendimentos para essa região, alinhando os aspectos do desenvolvimento econômico e o respeito ao patrimônio material e intangível do Recife.
Figura 3: Proposta arquitetônica para requalificação das fachadas do Moinho Recife
Foto: foto Divulgação
Autora: Geysa Vilela, arquiteta e urbanista, Especialista Pleno de Licenciamento no Investe Recife